POLÊMICAS FORAM A MARCA DO PROGRAMA PASSAGEIRO CIDADÃO

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Prestes a ser suspenso por prazo indeterminado pelo prefeito de Angra dos Reis, Fernando Jordão (PMDB), o programa de passagens subsidiadas Passageiro Cidadão jamais deveria ter sido criado da forma como foi. Esta avaliação foi a tônica de todo o governo da ex-prefeita Conceição Rabha (2013-16) que, ao menos, tentou corrigir distorções na ideia. Ao longo de quase 5 anos de duração, o Passageiro Cidadão foi um foco de polêmicas e um escoadouro de recursos públicos, como se verá a seguir:

Início: um programa para eleger prefeito

A gênese do Passageiro Cidadão foi eminentemente eleitoral. Em 2011, na iminência de ser confirmado para disputar a reeleição e enfrentando críticas a respeito do serviço de transporte público, o ex-prefeito Tuca Jordão (2009-12) teve a iniciativa do projeto. Num evento com sorteio de veículos e show na praia do Anil, a ideia foi lançada em 1º de maio para começar a vigorar três meses depois. A matemática era simples: a prefeitura pagaria parte da passagem de ônibus nas linhas municipais e o cidadão pagaria apenas R$ 1,00. Em menos de quatro meses já havia mais de 25 mil pessoas cadastradas, sem nenhum critério, seja de idade ou renda mínima.

Na votação para autorizar o programa, na Câmara Municipal, apenas os vereadores do PT votaram contra. O médico Ilson Peixoto, então vereador, criticou o fato de a iniciativa não ter sido prevista no orçamento e não ter limite de gastos. Até então o caixa da prefeitura suportava a despesa.

Veio 2012 e o ex-prefeito Tuca desistiu da reeleição. Com um grave problema de saúde, desistiu também de comandar seu principal programa social, chamado por seus apoiadores de programa de transferência de renda. Sobrou para os dois candidatos à prefeitura, a tarefa de desdobrarem-se para defender a ideia. Como Tuca era afilhado político de Fernando Jordão, parecia obvio que se vencesse, o então candidato manteria a iniciativa. Já a ex-vereadora Conceição Rabha (PT) foi acusada de querer acabar com o projeto. Sofreu e a duras penas acabou convencendo a população de que o programa seria mantido. Conceição venceu a eleição e, em 2013, o Passageiro Cidadão teve seu primeiro revés.

Ajuste: o povo descobre que o Passageiro Cidadão sai do seu bolso

Como Tuca deixara de pagar o Passageiro Cidadão nos meses finais de seu governo, ao assumir, Conceição encontrou uma dívida de quase R$ 8 milhões com as passagens. Já havia quase 50 mil cartões em circulação e alguns passavam mais de 10 passagens por dia. A previsão, em 2013, era gastar até o final do ano, mais de R$ 40 milhões com a iniciativa. Julgando impagável, a então prefeita enviou à Câmara a primeira proposta de regulamentação do projeto. Até então o Passageiro Cidadão havia sido criado por uma lei com apenas quatro artigos.

A revisão dos critérios foi um ‘pega para capar’, como se diz. A primeira ideia da equipe da ex-prefeita era limitar o benefício apenas aos credenciados do Bolsa Família. A oposição não aceitou. Conceição também queria limitar a contrapartida da prefeitura, aumentando o investimento do cidadão. Como a passagem deixaria de custar R$ 1,00, a oposição não aceitou a princípio. Após duas semanas de indefinição e muitos protestos, xingamentos e mensagens de ódio na redes sociais, a Câmara aprovou a revisão da lei de Tuca. Agora o Passageiro Cidadão passava a ter critérios, como o limite de duas passagens, a retirada da linha expressa (mais cara) do programa e a exigência de que o benefício fosse exclusivo para moradores de Angra. Aumentou também o investimento do cidadão e a passagem deixou de custar R$ 1,00. Na quinzena posterior à entrada em vigor das novas regras, a despesa com o programa caíra pela metade e, em um ano, a economia já ultrapassara os R$ 10 milhões.

Mas a ex-prefeita não teve sucesso em outras áreas de seu governo e pilotou crises todo o tempo. Após um recadastramento moroso e que demorou semanas, gastando a paciência do governo e dos usuários, a conta do Passageiro Cidadão passou a ser suportável. Em 2016, a conta anual seria de pouco mais de R$ 22 milhões, quase a metade do que estava previsto para 2013. Para se ter uma ideia, o valor é menor do que o que a prefeitura gasta, por exemplo, com lixo ou merenda escolar.

Incoerência: a morte anunciada do programa

Na campanha de 2016, o Passageiro Cidadão não foi polêmica. Como Fernando Jordão foi um candidato quase único todo o tempo, não foi exigido a ele assumir nenhum compromisso com o projeto. Esperto, ele também nada disse a respeito, embora soubesse da fragilidade financeira em que está o município.

Nesta terça-feira, 10, Fernando Jordão decretou, enfim, a morte anunciada do Passageiro Cidadão. Ele tem agora R$ 9 milhões em dívidas e prevê que faltará dinheiro, no fim de 2017, para honrar os compromissos de seu próprio governo. Como tem maioria sólida na Câmara, não terá dificuldades em aprovar as medidas. Eleito com mais de 80% dos votos também tem ‘gorduras para queimar’ em matéria de popularidade. Se está certo ou errado, o tempo dirá.

Efeitos: mais pressão sobre o sistema de transporte

As repercussões da suspensão do Passageiro Cidadão são muitas. Este é um corte que atinge, sobretudo, a população mais pobre, que é a maioria entre os usuários de transporte coletivo. Os mais prejudicados são os moradores da Japuíba que, por causa da quilometragem percorrida, são os que pagam a passagem proporcionalmente mais cara. Perdem também os moradores de linhas deficitárias, ou seja, linhas que não se pagam, como é o caso de Serra D’Água, Banqueta, Caputera e Camorim. Nestes casos, pode haver ainda mais diminuição de passageiros e consequente redução de horários.

Há um prejuízo em potencial para o setor do comércio e de serviços. Nos últimos anos, grande parte dos pequenos comerciantes migrou (de forma indevida) para o Passageiro Cidadão em detrimento do vale-transporte regular. O motivo, muito simples, é que é mais barato complementar a passagem menor que o valor integral. Sem o Passageiro Cidadão, as empresas têm que voltar ao vale-transporte, que é mais caro. Resultado: podem haver demissões ou seleção de profissionais que residam mais perto dos locais de trabalho.

A mudança terá também um componente eleitoral, claro. Será usada pelo que restou da oposição e pode arranhar a integridade de vereadores e do próprio prefeito. Para poupar-lhes na Câmara, Fernando assumiu toda a responsabilidade. Políticos ouvidos pelo Tribuna Livre apostam que a suspensão não deve durar até março do ano que vem quando, não por acaso, há eleição para deputados estaduais e federais. A conferir.

De qualquer forma, o fato é que o Passageiro Cidadão é uma irresponsabilidade financeira desde o início e agora, aqueles que no passado criticavam a ex-prefeita pela defesa da necessidade de controle sobre o benefício, estão às voltas com a obrigação de defender sua suspensão total. E vida que segue.

Notas:
– Na próxima edição impressa do Tribuna Livre, reportagem completa sobre a suspensão do Passageiro Cidadão.

– Em nosso site, tem uma enquete para medir a opinião do povo sobre a suspensão do benefício. Vote e compartilhe.

 

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