Hoje, 22, é Dia Mundial da Água. Tudo o que tem sido dito sobre a escassez de água no planeta nos próximos anos é verdadeiro. A seguir um artigo sobre os desafios da Humanidade para preservar este precioso líquido.

A qualidade da água e a qualidade de vida no planeta

Dia Mundial da Água: 22 de março é a data dedicada à reflexão sobre o uso consciente dos recursos hídricos. 

Carlos Lemos da Costa*
Água limpa para um mundo saudável. Definido pela Organização das Nações Unidas, ONU, o tema do dia Mundial da Água 2010 chama a atenção para o fato de que a qualidade de vida no planeta depende diretamente da qualidade dos recursos hídricos. A escolha não poderia ser mais pertinente. A humanidade vive hoje os primeiros capítulos de uma crise de escassez, que tende a se aprofundar nas próximas décadas, caso não sejam tomadas ações globais no sentido de promover o uso sustentável do recurso. Se considerarmos as projeções de que 6,4 bilhões de pessoas estarão morando em áreas urbanas até 2050, contra os atuais 3,4 bilhões, o impasse é ainda mais evidente. 

Em todo o mundo, a qualidade da água vem declinando drasticamente, resultado da rápida urbanização, do desperdício e da falta de tratamento sanitário e industrial adequado. Segundo a ONU, 32% da população mundial permanece sem acesso a saneamento básico. Todos os dias, dois milhões de toneladas de dejetos e outros efluentes são lançados diretamente em águas superficiais. O problema é ainda mais grave nos países em desenvolvimento, onde 90% do esgoto e 70% dos efluentes industriais têm como destinos mares, rios, lagos.  O organismo defende que o investimento para sanar deficiências globais com relação a serviços de saneamento e abastecimento de água potável (são 1,1 bilhão de pessoas sem acesso à água limpa) é pequeno diante dos benefícios sociais e de saúde pública. O cálculo é que para cada dólar investido, tem-se retorno entre US$ 3 e 34, sob a forma de incremento da produtividade e de economia de gastos com saúde. Não custa lembrar que doenças que se propagam pela água, como a cólera, são a causa da morte de 1,5 milhão de crianças a cada ano.

Especialmente nos centros urbanos, a deterioração dos recursos hídricos já compromete tanto a qualidade de vida das pessoas como o abastecimento. O município de São Paulo (SP), por exemplo, apesar da localização na confluência de vários rios, vai buscar água a mais de 300 quilômetros de distância, porque as fontes próximas foram tomadas pela poluição. Para levar água até a capital, todo um sistema com canais de abastecimento, reservatórios e represas precisa ser criado. E para cada represa e reservatório construídos, temos desmatamento e, portanto, alteração na distribuição natural de água das regiões afetadas. É a contaminação gerando mais desequilíbrio ambiental.
Mais barato e eficiente do que o investimento nesses sistemas ou na despoluição de mananciais é a gestão sustentável e permanente dos recursos hídricos. E é aqui que o uso racional se insere. Afinal, menos consumo é igual a menos poluição. Infelizmente, o que vemos hoje no Brasil são iniciativas voltadas mais para o aumento da produção de água do que para a diminuição do seu uso. Não à toa somos um dos grandes consumidores do planeta, com índice de 200 litros de água/dia, ou duas vezes mais do que o observado em países como Portugal, Bélgica, Alemanha e Republica Tcheca, que se destacam entre os mais responsáveis em relação ao uso da água.

O interessante é que não faltam alternativas para alcançarmos um padrão sustentável de consumo. Uma solução relativamente simples e que já foi adota em algumas regiões é a substituição de equipamentos gastadores por produtos economizadores (por exemplo, válvulas e bacias sanitárias que consomem 6 litros de água por acionamento, em vez de 12 ou até mais de 20 litros). Nos Estados Unidos, os cidadãos de Nova York e Austin contaram com financiamentos para realizar a troca. Na primeira cidade, a economia gerada chegou a 216 milhões de litros de água por dia. No Brasil, produtos economizadores são fabricados desde 2003, por norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas, ABNT. Porém, até agora, não foram oferecidos quaisquer benefícios para modernização da rede hidráulica de residências, escritórios e empresas, e nem mesmo para a instalação desses produtos em construções novas. Outras soluções viáveis para racionalizar o consumo, mas ainda pouco disseminadas, são o reuso da água e o aproveitamento de águas pluviais para fins não-potáveis, como irrigação de jardins e limpeza.

Uma questão que concerne especialmente ao Brasil, como grande potência do agronegócio que é, é sobre o incremento da produtividade do uso da água na produção de alimentos. Por aqui, a atividade responde por 70% do consumo de água e também é apontada entre as que contribuem para a contaminação das fontes hídricas. Estimativas indicam que, para cada quilo de arroz produzido, são gastos quase dois mil litros de água. Já a produção de um quilo de soja, a nossa principal commodity, consome 1,8 mil litros. Melhorar esses indicadores é importante não apenas para evitar um colapso no abastecimento futuro, mas também para assegurar que a produção de alimentos será compatível com o crescimento populacional esperado. Uma medida simples e que já poderia estar valendo é incentivar os agricultores a utilizar técnicas mais eficientes de irrigação, como a por gotejamento, em substituição à irrigação por aspersão, a mais utilizada atualmente.
Diz o artigo sétimo da Declaração Universal dos Direitos da Água, documento lançado pela ONU em 1992, quando o Dia Mundial da Água foi instituído, que a “a água não deve ser desperdiçada, nem poluída, nem envenenada”. Neste 22 de março de 2010, afirmo que não estamos observando essa premissa. Da universalização do saneamento à mudança nos padrões de consumo, são muitos os desafios colocados para as próximas décadas. Água limpa é vida e, se o desejo é por um mundo saudável, é preciso que pessoas, comunidades e governos assumam hoje um compromisso com a conservação desse bem natural tão precioso.

(*) Engenheiro, diretor da H2C, empresa de consultoria e planejamento de uso racional da água e membro do Green Building Council Brasil.

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