Mergulhadores procuram navio que desapareceu há mais de 170 anos em Angra | Foto: Agência Brasil

A história de um navio escravista afundado pelo seu próprio comandante em Angra dos Reis já vem sendo contada e recontada há muitas gerações por moradores do Quilombo Santa Rita do Bracuí.

Passados 170 anos do naufrágio, em 1852, arqueólogos estão mergulhando na baía da Ilha Grande para buscar o brigue Camargo, o navio envolvido num dos episódios mais emblemáticos do período em que o tráfico transatlântico de africanos escravizados já havia sido proibido no Brasil, mas continuava a ocorrer de forma clandestina debaixo das vistas grossas das autoridades. Segundo o arqueólogo Luís Felipe Santos, presidente do Instituto AfrOrigens, existem diversos achados, alguns compatíveis com o período estudado. Mas ainda serão feitas análises antes da conclusão da pesquisa.

— Não foi um acidente, foi uma chacina — afirma a liderança quilombola Luciana Adriano da Silva, já que muitos dos africanos transportados forçadamente teriam sido abandonados para morrer no mar.

Encontrar a embarcação e “fazer esta denúncia para o mundo é uma das formas de reparação por tudo o que os nossos antepassados sofreram,” completa ela.

Em dezembro de 1852, o capitão norte-americano Nathaniel Gordon trouxe 500 moçambicanos para serem escravizados nas fazendas de café do Vale do Paraíba. Perseguido pela patrulha naval, afundou o barco e fugiu disfarçado de mulher.  Dez anos mais tarde, depois de ser pego no comando de outra embarcação escravista, Gordon foi a primeira e única pessoa a ser julgada e enforcada pelo crime de tráfico de africanos nos Estados Unidos, diz o documentarista Yuri Sanada, roteirista de um filme a ser produzido sobre o malfadado capitão.

Moradores do Bracuí acompanham as buscas | Foto: Agência Brasil

Aqui no Brasil, a polícia entrou nas fazendas para apreender os africanos recém-chegados e investigou os fazendeiros envolvidos na organização criminosa.  Era a primeira vez que o império brasileiro tomava uma atitude em relação ao tráfico ilegal, afirma Martha Abreu, professora do Instituto de História da Universidade Federal Fluminense. “Chegaram outros navios?  Podem ter chegado, mas realmente a partir do Camargo foi um sinal, olha, não dá mais.”

Área do antigo engenho do Bracuí, em Angra | Foto: Agência Brasil

Um dos envolvidos na importação dos escravizados seria o comendador José de Souza Breves, proprietário do antigo engenho do Bracuí, atual território do quilombo. Segundo a griô e coordenadora da Associação de Remanescentes do Quilombo Santa Rita do Bracuí (Arquisabra), Marilda de Souza Francisco, a propriedade seria na verdade uma fachada para o tráfico. Uma estrada que passava por dentro da fazenda levava os africanos para cafezais na cidade de Bananal (SP).

Uma das ideias em discussão é que o local do naufrágio se torne um ponto de visitação turística em benefício da comunidade. As buscas são financiadas pelo Slave Wrecks Project, da rede americana de museus Smithsonian, que rastreia naufrágios no Oceano Atlântico. Nos últimos anos, navios escravistas já foram encontrados nos Estados Unidos e Moçambique. “A proposta do projeto é fazer com que este passado seja útil no presente”, diz Stephen Lubkemann, co-diretor do Slave Wrecks Project.

Se os pesquisadores de fato encontrarem o brigue Camargo, será um feito inédito. “O apagamento histórico é muito forte. A nossa pesquisa é a primeira de um navio escravagista no Brasil, depois de tantos e tantos anos,” afirma o arqueólogo Julio Cesar Marins.

(*) Com informações da Agência Brasil.

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