Elis Regina ainda é considerada por muitos como a maior cantora do país; Rita Lee, apesar de longe dos palcos, segue no trono de “Rainha do Rock Brasil”; Elza Soares, recentemente homenageada por uma escola de samba do Rio, vive uma fase de reconhecimento por uma longa e premiada carreira; Anitta, Iza, Duda Beat, Letrux, Roberta Campos, Maiara & Maraisa e Anavitória, entre muitas outras, representam, grosso modo, a continuidade de tudo o que foi feito por todas aquelas que vieram antes, e que abriram caminho num meio que, senão exclusivamente masculino, ao menos majoritariamente mais aberto aos homens.
Isso quer dizer que as mulheres que batalham por um lugar ao sol, no meio musical, e que ainda não têm uma visibilidade expressiva, certamente usufruem de um cenário mais otimista quanto à projeção de suas carreiras e à divulgação de seus trabalhos, correto? Infelizmente, não. Por ocasião do Dia Internacional da Mulher, comemorado no último domingo, 8, o Tribuna Livre Angra conversou com algumas artistas da região, para saber sobre suas dificuldades e desejos, realidades e sonhos. E descobriu que, apesar de muitas coisas terem mudado para melhor, algumas continuam da mesma forma. Até quando?
Na geografia de um canto, o machismo
Nascida em Volta Redonda, mas morando atualmente no bairro Balneário, em Angra dos Reis, Taís Alcantara, de 21 anos, desde muito cedo descobriu a predileção pela arte e, principalmente, pela música.
– Minha relação com a música começou cedo. Minha mãe guardava relatórios de quando eu estava na Educação Infantil e, em todos, as professoras afirmavam minha aptidão para a arte, especificamente para a música. Além disso, meu pai já reparava que eu conseguia cantar no tom – explica a cantora, compositora e musicista, que é licenciada em geografia.
A paixão avassaladora pelo canto surgiu por volta dos nove anos, por meio de um DVD que apresentava diversos clipes de sucessos como “I Will Always Love You”, de Dolly Parton, eternizada para as novas gerações pela cantora americana Whitney Houston.
– Eu simplesmente paralisei ao ver aquele clipe. Desde então, soube que aquilo era exatamente o que eu queria fazer. Aos dez anos por meio do apoio de meu pai me interessei pelo violão e comecei a fazer aulas em um projeto da prefeitura, no qual permaneci apenas três meses. Após esse período, o professor aconselhou que eu entrasse numa escola de música, na qual permaneci por dois anos e adquiri minhas principais referências no violão – explica Taís, que tem na MPB sua principal influência musical.
Do começo da caminhada até os dias atuais, muita coisa aconteceu, assim como ela descobriu algumas facetas não tão agradáveis relacionadas às experiências das mulheres que topavam encarar o ofício.
– Ser mulher faz toda diferença, principalmente se você é independente. No meu caso, sou cantora e instrumentista. Já teve ocasião de eu chegar para tocar e as pessoas, principalmente homens, ficarem me olhando, questionando. Então, é comum ouvir frases como “você faz tudo isso sozinha?”, “ninguém toca para você?”, “esse som é seu?”, “sabe mexer no som?”. Além disso, existe a questão do assédio, que é mais presente na vida das musicistas do que as pessoas imaginam – relata a cantora e compositora que fez parte do grupo Horizonte Oh, formado em Angra, que reunia outros músicos e estudantes de geografia.
A compositora de canções como “Menina Louca”, “Eu Nunca Saí Desse Poço” e “Suplico-te” também conta que já ouviu muitos relatos de companheiras de ofício, assim como presenciou outras histórias tristes relacionadas ao machismo na área e à necessidade de se posicionar perante a ele.
– Muitas mulheres instrumentistas e cantoras acabam precisando se comportar de forma autoritária diante de uma banda ou um grupo, para mostrarem sua presença e opinião, acabando por serem chamadas de loucas ou histéricas – desabafa.
Representação e piadinhas
A engenheira civil Camille Barboza, de 25 anos, natural de Angra dos Reis, é outra que também encontrou na música uma maneira de expressar suas aspirações artísticas. Instrumentista, desde criança ela se interessava por instrumentos musicais, o que só cresceu a partir do momento em que a avó inscreveu a futura fã de Nova MPB, Rock e Pop, aos seis anos, num curso de piano clássico. Dali em diante, não havia mais volta.
– Aos 14 anos um amigo me deu algumas aulas de bateria, e aprendi o básico, mas o instrumento que eu queria tocar mesmo era o violão. E então, em agosto de 2009, depois de implorar por um violão, minha mãe me desafiou, falando que se eu aprendesse a tocar três músicas ela iria me presentear. Arrumei um instrumento emprestado, entrei no meu quarto e, de um dia para o outro, aprendi a tocar as três músicas: dali pra frente nunca mais parei – explica.
Em 2017, junto com um primo também aspirante a músico – o angrense Lincoln Glauber –, ela fez a abertura de três shows da cantora Tiê, e foi ali que ela enxergou que poderia levar a música como profissão.
Hoje, além de manter o projeto com Lincoln, ela faz parte da She-Takes, a primeira banda exclusivamente feminina de Angra dos Reis. Ela é a guitarrista do grupo, que ainda conta com Chris Oliveira – vocal –, Carol Corrêa – baixo –, Ana Clarice – bateria – e Johanna Jéssica – teclado. O conjunto já efetuou algumas apresentações na cidade e está começando a trabalhar músicas autorais. Juntas, elas já vivenciam as dores e delícias da área musical.
– É um peso bem grande ser musicista. Toda vez que desço de um palco, sempre tem uma mulher que fala que se sentiu representada por eu estar ali. A maior dificuldade que eu vejo é o preconceito por ser mulher e estar num meio em que a maioria é homem: a gente sempre escuta uma piadinha que parece ser brincadeira, mas acaba machucando – declara Camille.
Apesar das barreiras, a guitarrista da She-Takes acredita que as coisas estão mudando, mesmo que lentamente, para as mulheres que escolheram a música como profissão de fé. Ela relata que já consegue ver mais mulheres nos shows, em cima dos palcos e nos estúdios, o que faz com que a musicista se sinta ainda mais representada.
– Espero que a gente ganhe cada vez mais espaço, que possamos ver mais mulheres nos palcos – diz Camille.
O peso (de ser mulher) é para todas
Outro nome angrense recente a abraçar a música de forma mais séria é o da psicóloga Dayane Oliveira de Andrade, de 33 anos. Mais conhecida como Day Lola, ela forma junto com a musicista Manoela Caposi, de 34, o Duo Delas, que apresenta versões para clássicos e novidades da MPB e do Pop/Rock.
Day começou a harmonizar a voz junto com Manoela desde o final do ano passado, quando participaram de um festival de arte dedicado às mulheres. Assim, juntas, começaram a se apresentar em bares e restaurantes de Angra. E não pararam mais.
– Sempre fui tímida para me apresentar em público, e fui deixando para depois essa paixão da minha vida, que é cantar. Já havia feito algumas participações em um projeto musical do meu ex-marido, gravando algumas vozes, numa época que acabei compondo algumas músicas e fazendo participações em shows de amigos. Daí, quando duas amigas – Paula Silva e Daniele Oliveira – elaboraram um evento somente feminino e pensaram que eu e Manoela poderíamos nos apresentar como uma dupla, aconteceu o start – explica Day.
Trabalhando atualmente num laboratório de Angra dos Reis, no setor de recursos humanos, Day, uma fã de Indie Rock e Bossa Nova cujo amor pela música começou em casa, com a mãe colocando vinis de Elis Regina, Maria Bethânia, Rita Lee, Benito de Paula, Paulinho da Viola e Roberto Carlos para a menina ouvir, na chegada da escola, vai ainda mais além quando perguntada sobre o sentimento de ser uma mulher fazendo música.
– Eu acredito que o peso de ser mulher existe em todas as profissões. Em relação à música, eu senti bem isso na época do festival “Art Fem Fest”, por conta da falta de apoio e da indiferença relacionada às opiniões que tínhamos sobre a forma como queríamos fazer o festival. Não vou generalizar, mas acredito que somos muito desvalorizadas. Quando se comenta que uma mulher vai fazer um festival ou mesmo uma apresentação, comentários machistas surgem, não é difícil de notar. Por isso, fica tão difícil encontrarmos mulheres fazendo música da forma como os homens fazem. Além disso, as letras de música sempre reforçaram a degradação da mulher, e vemos isso desde muito tempo – reforça a cantora do Duo Delas.
Esperança – apesar de tudo
Nesta entrevista do caderno especial do jornal Tribuna Livre Angra, alusivo ao Dia Internacional da Mulher, optamos por conversar com novas mulheres da música angrense, buscando sondar a nova geração de musicistas e compositoras da cidade principalmente quanto aos problemas e particularidades daquelas que resolvem encarar a área musical cm comprometimento.
Da mesma forma que as entrevistadas relataram suas dificuldades, também resolveram falar sobre o que acreditam estar mudando para melhor no cenário, assim como sobre suas esperanças perante à área.
– Se formos analisar a história no Brasil, uma mulher na música no começo do século XX era um escândalo. Isso é muito bem representado na vida de Chiquinha Gonzaga, mulher que se separou do marido, foi viver como musicista e até perdeu a guarda dos filhos. A sociedade teve essa visão por muitos anos. Portanto, é inegável os avanços dos tempos atuais. Claro, a mudança é lenta, nós queremos mais e só podemos mudar isso quando tivermos cada vez mais musicistas atuando e lutando contra esse machismo engendrado no meio musical – lembra Taís Alcantara.
A guitarrista da She-Takes, Camille Barbosa, a propósito do Dia Internacional da Mulher, comemorado no último domingo, 8 de março, declarou que há motivos para comemorar… Mas há mais ainda para protestar.
– Temos que lembrar de todas as mulheres que sofreram, para que hoje a gente possa conquistar o direito de ter espaço, de estar num palco, no estúdio, na produção, seja onde for. Acredito que ainda temos muito o que lutar para conquistar muito mais e mudar a história – afirma Camille.
Para Day Lola, do Duo Delas, restou a tarefa de concluir a entrevista deixando uma mensagem às mulheres, em especial, àquelas que encontraram na música um caminho para se expressar e traçar um objetivo de vida profissional.
– Tenho orgulho de cada uma delas. Sempre admirei todas e, enquanto espectadora, sempre me imaginei ali um dia, pensando comigo mesma que “queria ser assim igual a elas, fortes e corajosas”. As mulheres me inspiraram. Que todas continuem assim, esforçando-se cada vez mais e inspirando cada vez mais outras vozes femininas que estão por vir.
Fotos: divulgação
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