Sexo feminino; literatura universal

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Clube de leitura Leia Mulheres Angra completa um ano de vida comemorando indicação a prêmio e buscando novos membros

 

Tudo começou em 2014, quando a escritora britânica Joana Walsh criou numa rede social a hashtag #readwoman2014. O objetivo da palavra-chave era chamar a atenção para a desigualdade de gênero no mercado editorial, incentivando o consumo de livros escritos por mãos e mentes femininas.

A iniciativa gerou frutos. As amigas Juliana Gomes, Michelle Henrique e Juliana Leuenroth, de São Paulo, inspiraram-se na hashtag para efetuar encontros presenciais em livrarias e espaços culturais. Daí para frente, a ideia pegou. Criado oficialmente em 2015, o Leia Mulheres conta hoje com aproximadamente 90 clubes de leitura espalhados por todo o país. Sete deles no Rio. Um, mais especificamente, em Angra dos Reis.

Com um ano de atividade no município, o Leia Mulheres Angra, encabeçado pela pedagoga Fernanda Oliveira de Andrade Lima, de 37 anos, celebrou a data com comemorações não apenas locais. Em 2018, o projeto, como um todo, foi indicado ao importante Prêmio IPL – Retratos da Leitura, pelo Instituto Pró-Livro – categoria Mídia. A premiação busca promover e também dar visibilidade a iniciativas no campo de formação de leitores e desenvolvimento da leitura em todo país. Por aqui, no município, a entrada de cada novo membro na inciativa já é considerada uma grande vitória.

 

Democrático e despretensioso

 

De acordo com a mediadora do Leia Mulheres Angra, o clube de leitura é voltado à valorização do trabalho intelectual das escritoras, na tentativa de promover um equilíbrio por meio do incentivo à leitura e à discussão de obras produzidas por mulheres.  Os livros são escolhidos pelos participantes durante os encontros. A leitura é realizada individualmente, mas os membros mantêm o contato por meio de grupos no Whatsapp e Facebook.

– Nos encontros, conversamos sobre o que achamos mais interessante nos livros, sobre os trechos que nos marcaram ou com os quais nos identificamos, na maioria das vezes, fazendo um link com assuntos relacionados ao nosso dia a dia – explica a mediadora do clube, Fernanda Lima, lembrando que o projeto é aberto a todas e todos que queiram participar, além de gratuito.

– Também não temos pretensões acadêmicas. Buscamos apenas divulgar e também incentivar a leitura de obras de autoria feminina, além de promover o encontro de leitores e um bom bate-papo –, reforça Fernanda.

Em Angra, os encontros acontecem a cada dois meses, no Centro Cultural Theophilo Massad, no São Bento. Sempre que possível, a mediadora explica que o clube tenta realizar eventos diferentes, em outros bairros, para que mais pessoas possam conhecer a iniciativa.

 

Dando voz – e páginas – às mulheres

 

Além de promover a cultura, através do incentivo à leitura, o ato de priorizar a escrita feminina dá voz às mulheres, em todos os sentidos. As autoras têm suas obras lidas e discutidas; as participantes, por sua vez, encontram no clube um lugar acolhedor para compartilhar experiências e expressar suas ideias e sentimentos.

Mesmo sendo uma ação voltada à literatura feita por mulheres, todos são bem-vindos ao Leia Mulheres Angra. A única regra relacionada à iniciativa tem a ver com a mediação do clube, que deve ser efetuada exclusivamente por mulheres. De resto, é tentar abranger a maior variedade de livros possível, incluindo volumes de países, épocas, formatos, gêneros e temáticas diferentes.

– Nas discussões, sempre extrapolamos os temas dos livros para pensar questões atuais. O papel da mulher na sociedade, a maternidade, o conflito de gerações, questões de gênero, preconceito, racismo, machismo, mercado de trabalho e velhice, entre outras, já foram abordadas nos encontros. Conversar com mulheres que leram a mesma obra, compartilhar experiências e, acima de tudo, repensá-las, prova que não estamos sós – explica a coordenadora do Leia Mulheres Angra.

Mesmo com toda interação dos grupos das redes sociais com membros do clube, a participação nos encontros presenciais é sempre incentivada, já que, em tempos de tanta individualidade, os encontros acabam funcionando como um ponto de acolhimento. E entendimento.

 

Subcategoria, jamais

 

A indicação ao Prêmio IPL é o reconhecimento dos três anos do projeto Leia Mulheres, e Fernanda conta que o grupo de Angra está muito feliz por fazer parte dessa história. Ainda assim, existe um longo caminho a percorrer, em duas frentes: angariar membros e desconstruir certos conceitos pré-estabelecidos.

– É necessário acabar com o preconceito e com a ideia da literatura ‘feminina’. Esse termo só confirma o lugar de subcategoria que o mercado editorial atribui às mulheres, ao contrário da literatura ‘geral’, que podemos presumir, é escrita por homens – declara Fernanda, antes de emendar.

– Mulheres produzem todo tipo de escrita. É claro que por conta da posição e papéis que nos são impostos, algumas questões são relativas e vividas somente por mulheres, e é importante que possamos falar sobre elas a todos. Se vivemos em sociedade, por que as questões das mulheres diriam respeito somente a elas? Por isso, os homens são bem-vindos para participar e também conversar sobre as obras.

Para conhecer a programação do clube, basta seguir a página do grupo no Facebook – ‘Leia Mulheres Angra dos Reis – RJ’ – ou entrar em contato através do Whatsapp (24)99227-2249. O último encontro de 2018 aconteceu no dia 7 de dezembro, com um sarau comemorativo na cafeteria Quintal da Frida. As mulheres que escrevem foram convidadas a levar seus escritos para apreciação, assim como efetuar a leitura de textos das autoras preferidas. Em janeiro de 2019 o clube volta aos encontros normais, tendo como obra escolhida para o debate o volume ‘Rita Lee – uma autobiografia’. As datas e locais dos encontros serão informados na página do grupo no Facebook.

– O clube visa à leitura de obras escritas por mulheres, em meio a um mercado que ainda é carente de escritoras. Acredito que o Leia Mulheres Angra veio para dar mais visibilidade a essas autoras e a nós também, já que, além de promover uma interação literária, fornece novos laços de amizade – resume a auxiliar de departamento fiscal Kálita Teixeira dos Reis, de 31 anos, uma das participantes do grupo.

P.D James, Lilia M. Schwarcz, Ana Cristina Cesar, Clarice Lispector, Daniela Arbex, Patti Smith, Chris Fuscaldo, Svetlana Aleksiévitch, Janice Caiafa, Janet Malcolm, Eliza Griswold e Dorrit Harazim terminam figurando nesta matéria para mostrar que este jornalista que vos escreve nunca teve problemas em ler mulheres, correto? Errado: se eu fosse finalizar o texto com os nomes dos autores masculinos da minha estante, precisaria do site inteiro para isto.

Leia mulheres. Leiamos.

 

Por Hugo Oliveira

Fotos: divulgação

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