Posto a seguir, uma homilia de Frei Betto a respeito da Quaresma, este tempo desde a Quarta-feira de Cinzas até a Páscoa, que os cristãos dedicam para reflexões e penitências. Resolvi então, partilhá-la com vocês para provocar uma reflexão. Diz Frei Betto:
“Entro nessa Quaresma sem fantasia, disposto às abstinências que resgatam, no mais íntimo de mim mesmo, a minha verdadeira identidade. Calarei a língua felina e não macularei a fama alheia, exposta em público no varal de minhas cordas vocais. Não darei ouvidos a inconfidências, nem ao ruído ensurdecedor das palavras vãs de quem só escuta a própria voz. Fecharei os olhos para ver melhor e abrirei as janelas à revoada dos anjos. Contemplarei as montanhas ocas de minha terra e derramarei uma lágrima por seus úteros arrancados e sonegados ao meu povo.
Nesta Quaresma, riscarei de meu dicionário o vocábulo competitividade e com aquarelas de utopias gravarei no coração solidariedade. Irei ao encontro de quem ainda luta por direitos animais: comer, beber, educar a criar e abrigar-se das intempéries. Só assim costurarei minha humanidade esgarçada. Jejuarei da ânsia consumista e ofertarei meu supérfluo tão necessário ao próximo.
Abrirei a janela do carro e afagarei as crianças de rua , filhos de minha imobilidade frente a tantas injustiças. Pagarei, com juros, minha dívida social. Farei Jesus parceiro de aventuras e deixarei que o seu Espírito engravide o meu. Buscarei o silêncio orante e meditarei para inebriar-me da espiritualidade do conflito. Adotarei o sermão da Montanha como estatuto pessoal e acertarei meus passos nas trilhas de Gandhi, Che Guevara, Pedro Casaldáliga (*) e Luther King.
Arrancarei toda erva daninha – ciúme, inveja, ira – do canteiro de meus amores e cultivarei copas frondosas de quaresmeiras coloridas de ternura. Serei perdulário com o bom humor e espalharei alegria como o ar que nos é dado a respirar. Nesta Quaresma, participarei da Campanha da Fraternidade e direi não às drogas, as que me consomem horas de vida no cuidado envaidecido de meu corpo e as que me aprisionam no medo de lutar contra as iniqüidades.
Desfraldarei a bandeira de minha indignidade e revelarei esperanças que, no futuro, me fazem acreditar num belo horizonte. Peregrino solitário e solidário irei às fontes do Transcedente. Ao encontrar meu próprio poço, mergulharei como um menino em suas águas profundas, até que o pai de Amor me acolha em seus braços, dando-me de beber o vinho pascal do homem novo”.
Para quem quiser conferir os conselhos do Sermão da Montanha, basta checar na Bíblia no Evangelho de Mateus, a partir do capítulo 5. É leitura obrigatória para todos, cristãos e não cristãos. Se conseguirmos viver este Sermão, nossa vida já terá valido a pena.
(*) Casaldáliga foi sugestão minha.
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