Atualizado em 30 de julho às 15h40
O site da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet) publicou um extenso texto na semana passada informando de que estaria havendo negligência e precariedade nos serviços prestados nas usinas nucleares Angra I e Angra II, ambas instaladas e funcionando na Central Nuclear Almirante Álvaro Aberto (CNAAA), em Itaorna.
De acordo com a Associação haveria uma ‘instabilidade interna’ na empresa, em razão de sucessivos cortes de gastos e ausência de negociação em acordos coletivos de trabalho. Dependente de mão de obra qualificada para gerir as usinas, a Eletronuclear estaria apostando na flexibilização das operações para resolver problemas de caixa. A Aepet cita um funcionário da própria empresa como fonte.
— Temos uma precarização significativa das condições de trabalho na Eletronuclear, com redução da massa salarial prevista para ser implementada em pelo menos 20%. Está sendo realizado um achatamento salarial brutal, com grande prejuízo para as famílias dos funcionários das usinas — afirma o engenheiro de Angra 1, Paulo Artur Pimentel Tavares, em depoimento ao site Sputnik Brasil.
A informação sobre as dificuldades de caixa da Eletronuclear não são novas e nem secretas. No final de junho, em entrevista à rádio Costazul FM, o próprio presidente da empresa, Raul Lycurgo, disse estar enfrentando dificuldades e responsabilizou gestões anteriores à sua. Entre os anos 2022/23 (último ano do governo Bolsonaro e primeiro ano de Lula), a Eletronuclear fechou seus balanços com déficit de R$ 1,2 bilhão. É muito para uma empresa que não pode mais contar com aportes a ‘fundo perdido’ da Eletrobras, privatizada por Bolsonaro em 2022.
O site da Aepet ainda afirma que além da redução da massa salarial, a empresa estaria propondo o comprometimento dos salários indiretos, frutos de negociações entre a Eletronuclear e seus funcionários, a fim de compensá-los por repetidas faltas de reajustes para cobrir processos inflacionários.
A empresa nega que a situação financeira precária represente qualquer risco aos funcionários ou ao meio ambiente. Lycurgo afirma que o funcionamento das usinas continua sendo feito com total segurança.
— Se fosse inseguro, o nosso pessoal moraria a 1 km de distância do reator? Eles mais do que ninguém conhecem tudo o que é feito dentro da central nuclear e, mesmo assim, moram nas vilas residenciais com seus familiares há quase 40 anos — afirma o presidente da empresa.
Privatização — A redução da massa salarial, corte de benefícios coletivos e terceirização de setores inteiros da manutenção de Angra 1 e 2, como o de calibração, são a tônica do setor elétrico brasileiro desde a privatização da Eletrobras em 2022, diz o presidente da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras, Ikaro Chaves.
Segundo ele, os acidentes no setor elétrico de maneira geral geram ‘repercussões graves’, com regiões inteiras afetadas com a falta de energia, além dos grandes prejuízos em relação aos equipamentos, normalmente caros.
— Agora, quando falamos do setor nuclear, esses riscos são elevados de maneira exponencial. Acidentes nucleares, por menor que sejam, trazem consequências muito graves, afetando o país inteiro, sem considerar que Angra é uma região com centenas de milhares de moradores e um meio ambiente extremamente rico — alerta Ikaro.
A crise na Eletronuclear poderia ter sido evitada, afirma o site, caso acordos de cooperação com empresas de Rússia e China para a conclusão de Angra 3 tivessem sido mantidos pelo governo federal durante as gestões de Michel Temer (2016/18) e Jair Bolsonaro (2019/22). Ambos os presidentes teriam rejeitado os acordos com a empresa russa Rosatom e as chinesas CNNC e SNPTC. O ex-presidente Bolsonaro teria recusado capital de Rússia e China no empreendimento, dizendo que a prioridade deveria ser dada aos Estados Unidos, que não demonstraram interesse na conclusão das obras. A privatização da Eletrobras agravou o problema.
— Essa é uma questão de segurança nacional, de segurança ambiental e das pessoas que vivem no entorno de Angra. E esses investimentos estão sendo postergados, colocados em risco por causa da situação societária que vive a Eletronuclear após a privatização — diz o presidente da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras, Ikaro Chaves.
(*) A reportagem completa da Aepet pode ser lida aqui.
- O setor de comunicação da Eletronuclear entrou em contato com o Tribuna Livre e enviou a seguinte nota relacionada aos conteúdos postados pelo site da Aepet e pelo site Sputnik Brasil. A seguir a íntegra do conteúdo da empresa:
Resposta à matéria divulgada pela Sputnik, intitulada “Precarização do trabalho em Angra 1 e 2 é receita para acidentes nucleares, dizem especialistas”.
A matéria divulgada pela Sputnik, nesta segunda-feira (22), relaciona, de forma indevida, questionamentos de cunho trabalhista com a segurança operacional de Angra 1 e 2. As alegações feitas à emissora são sensacionalistas, desinformam a população, e podem causar pânico, sem quaisquer evidências, provas ou materialidades.
A Eletronuclear esclarece, em primeiro ponto, que a empresa está em processo de negociação do seu acordo coletivo de trabalho 2024/2026 e que as opiniões dos membros dos sindicatos participantes da matéria não representam a visão de especialistas em segurança nuclear.
Recentemente, os sindicatos levaram a mesma questão aos deputados federais Reimont e Lindbergh Farias (PT/RJ) que estiveram na empresa para conversar com seus diretores. Na ocasião, a reunião foi paralisada para que todos os responsáveis pela segurança das usinas (diretores técnico e de operação, coordenadores de áreas técnicas e os superintendentes de Angra 1 e 2 e de manutenção) fossem convocados de imediato. O objetivo foi dirimir quaisquer dúvidas sobre riscos na operação das usinas. Tudo o que foi dito pelos sindicatos aos especialistas na operação e na segurança das usinas dizia respeito a uma suposta questão da segurança e sobre as verbas salariais em discussão no ACT.
A ELETRONUCLEAR esclarece que todas as reuniões foram gravados com o consentimento de todos e os vídeos estão à disposição de todos, inclusive deste meio de comunicação que publicou a matéria sem pedir o posicionamento da empresa sobre o ponto trazido pelo membro do sindicato.
A segurança das usinas é atestada regularmente por órgãos especialistas como a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), que mantém inspetores residentes diariamente dentro das usinas, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e a World Association of Nuclear Operators (WANO).
Aliás, em junho passado, a ELETRONUCLEAR passou por uma visita técnica de inspeção internacional, por equipe formada por mais de 12 especialistas de diversas nacionalidades, e que durou mais de 10 dias. Ao final da inspeção, foi ressaltada a excelência operacional e de segurança da ELETRONUCLEAR.
Negociação trabalhista em andamento
A Eletronuclear está passando por um momento difícil de estresse de caixa. Nosso PMSO – ou seja, as despesas operacionais com Pessoal, Material, Serviços de Terceiros e Outros – está muito alto e bem acima do teto reconhecido pela agência reguladora do setor (ANEEL). Ou seja, a empresa gastou em 2023 70% a mais do que o garantido pela ANEEL. Nesse sentido, a nova gestão da empresa empreende esforços em várias frentes para adequar suas despesas operacionais aos limites da ANEEL. Mesmo assim, não é verídico afirmar que há precarização do trabalho em Angra 1 e 2.
A empresa cumpre rigorosamente a legislação trabalhista e todos os acordos coletivos vigentes, fornecendo a todos os seus empregados, dentre outros, os seguintes benefícios:
plano de saúde;
plano odontológico;
reembolso de 90% de consultas médicas;
auxílio creche de mais de R$1.000,00/mes
auxílio babá de mais de R$1.000,00/mes;
auxílio escola/educação de mais de R$700,00/mês;
auxílio óculos;
auxílio alimentação de mais de R$1.400,00/mes;
auxílio alimentação extra (natal) de mais de R$1.400,00 (dezembro).
plano de previdência privada;
dentre outros benefícios. Nenhum destes benefícios está sendo revisitado ou retirado neste acordo coletivo em discussão.
A proposta de acordo coletivo deste ano, inclusive, prevê a reposição integral da inflação nos salários pelo IPCA, mantendo-se este mesmo índice para todos os demais benefícios. É inverídica, portanto a alegação de achatamento salarial brutal. O que tem sido feito é a racionalização dos critérios de concessão de horas extras, do adicional de periculosidade e de inclusão nos plantões de sobreaviso.
Sobre as vilas residenciais (Mambucaba e Praia Brava) integralmente mantidas pela empresa em Angra dos Reis, na Costa Verde fluminense, destaca-se que são mais de 1400 habitações – incluindo casas com dois e três quartos – que são usadas pelos empregados e familiares sem a cobrança de aluguel. A Eletronuclear apenas estuda a cobrança dos custos com água, energia, segurança e limpeza destes locais de forma semelhante a uma taxa condominial. O objetivo, além da redução de custos operacionais, é dar tratamento isonômico a todos os empregados, uma vez que os colaboradores lotados no Rio de Janeiro nunca receberam este tipo de “benefício”.
Também não é verídico que a empresa esteja aumentando a terceirização de serviços. Pelo contrário, o que houve foi a redução de alguns contratos com empresas que prestam serviços administrativos, de limpeza e manutenção do canteiro de obras de Angra 3, por exemplo, sem nenhuma relação com o funcionamento das usinas.
Entretanto, em suma, nenhuma destas condições possui potencial para afetar o funcionamento e a segurança das usinas, que é uma máxima para a empresa e jamais irá ficar em segundo plano, mesmo em momentos de desafios financeiros.
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