Nascido no Rio de Janeiro, o professor e músico Carlos Lopes de Souza, conhecido como Cagério, de 54 anos, encontrou em Mambucaba um lugar para chamar de lar. Agitador cultural, ele sempre enxergou a necessidade de fomentar a cultura no bairro, mas essa visão acabava esbarrando numa série de dificuldades. Acontece que, depois de anos batalhando ao lado da comunidade por um calendário de atividades culturais, eis que uma nova possibilidade não apenas bateu à porta, mas abriu as janelas, organizou os quartos e preparou a sala para uma importante novidade: o Mambucaba Cultura e Arte.

Inaugurado no dia 1º de maio deste ano, o local, um casarão que data de 1850, transformou-se num misto de hostel e espaço cultural. De lá para cá, vários tipos de apresentações e exposições culturais já foram realizadas na casa, que também funciona como uma pousada cuja missão de cativar turistas de todo o mundo é defendida através de uma proposta um pouco diferente das demais.

– Na verdade, não existia a ideia de se criar um espaço cultural privado como é o Mambucaba Cultura e Arte. A criação foi uma coisa que aconteceu com o desenvolvimento das atividades, culminando, em 2017, no calendário cultural oficial de Mambucaba. Neste ano o calendário segue firme, com toda a comunidade realizando as atividades previstas – explica Cagério.

Sabendo da movimentação do músico e dos moradores do bairro, a proprietária de um grande casarão construído em Mambucaba – ela mesma uma aficionada por cultura – ofereceu a proposta de aluguel do imóvel, para que o próprio fosse utilizado como espaço cultural. Cagério visualizou o potencial do casarão e resolveu aceitar o desafio, fazendo com que o Mambucaba Cultura e Arte viesse ao mundo como consequência de um trabalho de fortalecimento da cultura local.

Turismo e cultura (e vice-versa)

A ideia do casarão é simples e promissora. Um empreendimento onde a cultura se fortaleça do turismo e este, por sua vez, seja enriquecido por meio de práticas culturais. Uma fonte de esperança em meio aos problemas complexos e nem tão recentes pelos quais o país vem passando.

– Como em qualquer espaço cultural, a luta financeira para manter os projetos funcionando é grande. O Mambucaba Cultura e Arte não tem como objetivo principal ser um hostel ou pousada. Se hoje atuamos como tal, objetivamos que esta atividade consiga ser mantenedora de um espaço onde a prioridade é a cultura. Desta forma, as pessoas que vem para cá tem a consciência de que elas são muito mais parceiras das atividades culturais do que hóspedes – esclarece Cagério.

 

Ainda assim, em nenhum momento a comodidade e a receptividade das pessoas que se hospedam no local são colocadas em segundo plano. As atividades acontecem nas áreas comuns do hostel, sempre deixando espaços livres para aqueles que não querem participar de determinado evento. Em geral, de acordo com o músico e professor à frente do empreendimento, as pessoas se envolvem com as apresentações – que são divulgadas com antecedência aos hóspedes –, mas o horário destinado ao descanso dessas é sempre respeitado.

– A comunidade tem recebido muito bem o empreendimento e passa a entender, aos poucos, que a proposta do Mambucaba Cultura e Arte é ser um espaço da comunidade. Os moradores do bairro sabem que o objetivo do lugar não é ser um barzinho ou um restaurante, mas sim, um local que elas possam realizar suas práticas culturais tradicionais ou acadêmicas. Se as atividades não têm fins lucrativos, abrimos as portas sem cobrar nada para os agentes da cultura, assim como o espaço é livre àqueles que queiram ministrar aulas, organizar exposições, shows e atividades até mesmo pedagógicas – conta Cagério.

 Fortalecimento e diferenciais

Em outubro, o Mambucaba Cultura e Arte entra no sexto mês de funcionamento, um período marcado por muita luta e persistência. Em meio ano, o espaço fortaleceu laços com alguns parceiros e também viu surgir novas parcerias, motivadas principalmente pela força de vontade dos organizadores do local e pelas características diferenciadas do hostel: um tipo de espaço público onde os grupos tradicionais, artistas e acadêmicos, assim como a população, podem entrar e também utilizar suas dependências para efetuar diversas atividades.  Um terreno cultural privado, que funciona como se fosse público.

– A grande meta, seja em curto, médio ou longo prazo, é que o Mambucaba Cultura e Arte seja utilizado pela comunidade e também para ela. Que ele não tenha um dono, não seja de alguém. Entretanto, temos algumas tarefas a serem cumpridas. No momento, a que mais nos incomoda é a questão da autonomia e independência financeira do local. Um segundo passo seria aprovar projetos em leis de incentivo à cultura, para que estes possam captar recursos.  Em longo prazo, a ideia é criar um grupo de trabalho que gerenciaria o projeto – vislumbra Cagério.

Mambucaba apresenta muitas características favoráveis à transformação do bairro num polo cultural e turístico, apesar de o local não ser percebido ou utilizado pelo poder público dessa maneira. Quem também vislumbra essa possibilidade é o artista plástico e ator Ronaldo de Oliveira, popularmente conhecido como ‘Raô’, de 47 anos.

– É muito gratificante ver que há um projeto assim fora do centro de Angra. O município é muito grande e esse espaço privado, que não conta com subvenção governamental, está, dia após dia, sendo abraçado por toda a comunidade. Como artista, quanto maior o número de espaços culturais existentes, melhor. Não preciso mais levar uma hora até o centro para ver uma exposição ou um show. Além disso, a Vila Histórica de Mambucaba tem uma atmosfera propícia para atividades culturais – explica o artista, que mora no Frade.

Jornalista aposentada, Rosangela Mattos Barreto, de 58 anos, é outra entusiasta da iniciativa. Para ela, o advento do Mambucaba Cultura e Arte é uma experiência que tem tudo para dar certo. E frutificar em forma de qualidade e educação tanto na cultura quanto no turismo.

– Arte faz bem à alma. O espaço ajuda o bairro no sentido de elevar a qualidade do turismo, oferecendo um nível de conhecimento maior quanto à história do local. Pessoas mais envolvidas cuidam melhor do patrimônio, e o resultado é bom para toda a comunidade – declara Rosangela, moradora de Mambucaba.

Começo, fim e esperança

Ao sair de Angra, em 1992, Cagério morou em cidades onde as atividades culturais tradicionais e acadêmicas aconteciam a todo o tempo. Quando retornou ao município, em agosto de 2012, percebeu que pouca coisa havia mudado.

– Retornei a Mambucaba num sábado. Às 21h, fui dar um passeio nas ruas, para ver o que acontecia. Deparei-me com dois comerciantes sentados em seus estabelecimentos. Um assistia televisão; o outro mandava mensagens pelo celular. Nenhum deles tinha clientes, e todo o restante do comércio estava fechado. Percebi que a geração de renda e o fortalecimento cultural estavam desfavorecidos, mesmo que o bairro histórico apresentasse um potencial turístico e cultural – embora adormecido. As pessoas no início achavam que eu queria me candidatar a alguma coisa, outros comentavam que eu estava querendo ganhar dinheiro com as atividades. De fato eu queria e quero ganhar alguma coisa. Nada no mundo se realiza gratuitamente. Entretanto, Nem todas as riquezas do mundo vêm em forma de dinheiro ou de cargo público – resume o músico e professor.

Querer apenas poder sair de casa num sábado, às 21h, e ter opções culturais, sem precisar de um longo deslocamento até Paraty ou mesmo até ao centro Angra, não é pedir demais. Visualizar uma independência financeira para Mambucaba, a partir da cultura, com geração de emprego e de renda, também não. Se governos que se sucederam no poder municipal ainda não conseguiram oferecer soluções essenciais quanto a isso, não há nada de errado em acreditar que um casarão histórico, repleto de gente compromissada com a cultura, possa seguir por esse caminho.

O Mambucaba Cultura e Arte – Hostel e Espaço Cultural fica na Rua das Flores, nº 420, na Vila Histórica de Mambucaba. Nele, você pode assistir a um show musical ou a uma palestra; conferir uma exposição artística ou uma peça teatral. O local oferece quartos que podem ser alugados de acordo com a necessidade do turista. Mais do que isso tudo, estamos falando de um lugar de esperança. E resistência.

Fotos: Divulgação

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